Sob os pés do mundo: uma experiência sensorial em Brasília
Mostra que compõe o Festival Mês da Fotografia, no Museu Nacional de Brasília, transforma vivências urbanas de pessoas com deficiência visual em obras acessíveis, criadas a partir das texturas das calçadas e das sensações despertadas por percursos rotineiros
ZECA BARROSO
29/07/2025 15h51 - Atualizado há 6 dias
Dentre as 17 obras está Encontros & Mais Encontros, 2025 (60x40cm). Os trabalhos contam com títulos em Braille, letras ampliadas, audiodescrição e paisagens sonoras de 20 minutos, com os ruídos originais de cada local.
O Museu Nacional de Brasília recebe, a partir de 05 de agosto, a exposição Sob os Pés do Mundo, uma experiência sensorial em Brasília, resultado do projeto artístico-sociocultural Arte no Espaço Público x Arte como Espaço Público: Arte e Inclusão Social. Com a proposta de experimentar os caminhos da cidade e não, simplesmente, caminhar por eles, o corpo, o toque e a escuta foram usados na elaboração das obras de arte. A mostra apresenta 17 obras táteis criadas a partir das calçadas e espaços públicos do Distrito Federal, em diálogo com as trajetórias e memórias de pessoas cegas e com baixa visão. Em cartaz na Galeria 2 do Museu, a exposição faz parte do Festival Mês da Fotografia (FMF). Idealizado pelo artista visual e sociólogo Flavio Marzadro, o projeto adotou técnicas como os decalques táteis em base siliconada, para transformar superfícies urbanas em obras sensoriais. O objetivo foi incluir pessoas com deficiência visual no universo das artes visuais, para provocar reflexões sobre acessibilidade, pertencimento e direito à cidade, além de compartilhar outras formas de “enxergar” com os demais públicos. As obras nasceram de um processo artístico profundamente colaborativo, que uniu oficinas sensoriais e vivências urbanas em diferentes regiões do Distrito Federal. Conduzidos por Flavio Marzadro e pela ceramista Geusa Joseph, os encontros propuseram o toque como linguagem e a memória como matéria-prima. Ao explorar superfícies como pedra portuguesa, azulejos e pisos táteis, os participantes compartilharam suas histórias, afetos e modos de perceber a cidade com o corpo inteiro. As cinco oficinas foram realizadas em Brasília: quatro no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV) e uma na Biblioteca Braille Dorina Nowill e reuniram turmas de 5 a 20 pessoas. Mais do que um espaço de formação, esses encontros funcionaram como um laboratório coletivo de escuta e criação. As vivências urbanas aconteceram na Asa Sul, Asa Norte, Planaltina e Sobradinho, com locações sugeridas por quatro participantes do projeto: Gilfrank Pimentel, Manoel de Jesus Vieira, Aparecida Machado e Sheila Guimarães. Cada um compartilhou um de seus trajetos cotidianos, revelando os caminhos que percorrem e sentem, mesmo sem vê-los da forma comum à maioria das pessoas. Esses percursos foram registrados em áudio, vídeo e georreferenciamento, e deram origem a obras táteis únicas — moldes que contam histórias. Todos os participantes residem no Distrito Federal e assinam, com suas escolhas, memórias, impressões e mãos, a autoria das obras. São coautores no sentido pleno — não apenas por inspirarem, mas por literalmente moldarem, ao lado do artista, as peças que deram arte a rumos. A MOSTRA A exposição reúne 17 quadros táteis de diferentes dimensões — entre eles, um painel de 130x90 cm — que retratam os lugares percorridos e sentidos durante o projeto. Os trabalhos contam com títulos em Braille, letras ampliadas, audiodescrição e paisagens sonoras de 20 minutos, com os ruídos originais de cada local. Para estimular diferentes formas de percepção, dois dos quadros estarão disponíveis para o toque de todos os visitantes. A proposta é simples e profunda: olhar com as mãos, ou fechar os olhos e permitir-se experimentar o mundo de outra maneira. Assim, a visita se torna também um gesto de empatia e descoberta. A experiência convida à escuta tátil, ao toque atento, ao reconhecimento da cidade por outros caminhos sensoriais e à admiração artística muito além do que os olhos podem ver. Uma forma poética e política de imaginar espaços mais inclusivos e partilhados. SOBRE O PROJETO Arte no Espaço Público x Arte como Espaço Público: Arte e Inclusão Social é o desdobramento mais recente da pesquisa artística e social do artista-pesquisador Flavio Marzadro, que há mais de uma década investiga as relações entre arte, cidade, corpo e inclusão. Combinando oficinas sensoriais, vivências urbanas, registros georreferenciados e técnicas inovadoras de decalque em silicone, o projeto propõe uma reflexão crítica sobre quem pode produzir arte e a partir de quais territórios. A iniciativa nasceu em diálogo com pessoas cegas e de baixa visão do Distrito Federal, que atuam como coautoras das obras ao partilhar memórias e escolher os caminhos a serem moldados. Mais do que representar trajetos, a proposta transforma calçadas, afetos e gestos cotidianos em matéria artística — questionando as hierarquias estéticas que tradicionalmente excluem corpos, saberes e experiências da cena cultural dominante. O projeto inaugura uma metodologia participativa e descentralizada, que enxerga o espaço urbano como suporte artístico e os sentidos como instrumentos legítimos de criação. A iniciativa também dialoga com experiências anteriores de Marzadro, como o projeto Borboletando – Arte Inclusiva, Arte do Amor, realizado em parceria com Geusa Joseph, que mobilizou centenas de participantes com deficiência na criação de uma escultura coletiva em cerâmica, exibida no Museu de Arte de Brasília. O projeto foi realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do Distrito Federal e conta com o apoio institucional do Museu Nacional da República, do Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais (CEEDV) e da Biblioteca Braille Dorina Nowill. Assim, a exposição que agora se apresenta é parte de um processo contínuo de pesquisa, escuta e convivência, no qual a arte deixa de ser objeto distante para tornar-se território vivido — uma prática pública, tátil e compartilhada. AÇÕES PARA ALÉM DA EXPOSIÇÃO Além da mostra, haverá uma programação especial de encontros e vivências sensoriais voltadas à comunidade com deficiência visual. Em 5 de agosto, data da abertura oficial da exposição, acontecerá um vernissage acessível em horário especial, das 14h às 17h, exclusivamente, para participantes das oficinas e frequentadores da Biblioteca Braille de Taguatinga e alunos do CEEDV. O momento será uma celebração íntima, voltada ao público que inspirou e moldou as obras, e contará com apoio logístico para garantir o acesso dos convidados. Já no sábado, 9 de agosto, os visitantes poderão participar da ação “Troca-Troca”, conduzida pela Cia Teatro no Escuro, do projeto Olho do Lance. A proposta dessa dinâmica é a inversão de papéis entre pessoas cegas e videntes. A experiência convidará o público a “enxergar” o espaço com os olhos e o corpo do outro: os participantes cegos atuarão como guias de visitantes videntes, promovendo uma caminhada coletiva dentro e fora do museu, reforçando a proposta da confiança mútua como ferramenta de percepção, empatia e criação coletiva. Duas oficinas também acontecerão no sábado 9, na sede da Sociedade Bíblica do Brasil, ampliando os espaços de escuta e criação para mais pessoas. SOBRE O FESTIVAL MÊS DA FOTOGRAFIA O Festival Mês da Fotografia — agora oficialmente FMF — realiza uma edição especial em 2025. Com o tema “O que Vemos Quando Escutamos”, o evento reúne quatro exposições que atravessam os campos da inclusão, da ancestralidade e da criação poética. Além da mostra “Nada Sobre Nós Sem Nós!”, do projeto Vivências Inclusivas, idealizado por Juliana Peres, que oferece experiências acessíveis unindo arte, empoderamento e consciência ambiental, o FMF conta ainda com as mostras “Sob os Pés do Mundo: uma experiência sensorial em Brasília”, de Flavio Marzadro, trazendo a deficiência como potência estética e sensível, “Sons da Terra: Começo, Meio e Começo”, do Ògan Assogbá Luiz Alves, e “Nego Fugido”, do fotógrafo franco-italiano Nicola Lo Calzo. Ambas mergulham nas tradições afro-brasileiras, reencenando memórias, gestos e territórios ancestrais, propondo novas formas de escuta e percepção visual. Serviço: Exposição Sob os Pés do Mundo: uma experiência sensorial em Brasília Data: de 05/08 a 07/09 Horário de visitação: de terça a domingo, das 9h às 17h Dinâmica Troca-Troca conduzida pelo grupo Teatro no Escuro (Olho no Lance) 09/08 Horário: das 14 às 16h Local: Galeria 2 - Térreo do Museu da República Entrada Franca Notícia distribuída pela saladanoticia.com.br. A Plataforma e Veículo não são responsáveis pelo conteúdo publicado, estes são assumidos pelo Autor(a):
JOSÉ CARLOS CAMAPUM BARROSO
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